“Resolveu
pôr em ordem seu planeta. ‘É preciso que a gente se conforme em arrancar
regularmente os baobás logo que se distinguem das roseiras’ – disse o
principezinho. Naquele dia arrancou ele então, não sem um pouco de melancolia,
os últimos rebentos de baobá. Ele julgava nunca mais voltar. Mas todos esses
trabalhos familiares lhe pareceram naquela manhã, extremamente doces”. (O Pequeno Príncipe. A.S. Exupéry).
Em determinados momentos de nossa árdua
existência, somos constantemente convidados a realizar o importante movimento
vital de “pôr em ordem o planeta”; cuidar de nosso mundo interior; o que nem
sempre é tarefa fácil. Para nós – hoje – o jovem e misterioso Pequeno Príncipe
remete-nos à própria figura de Jesus Cristo, ainda que menino – mas pleno em
sua divina Sabedoria. É este Deus que se faz homem e se revela, dentre tantas
formas, como o pequeno agricultor e assim Mestre de nossas vidas – “Aquele que
é mais interior que nós mesmos”, como afirmava St Agostinho. E de fato, Deus
contempla o interior do ser humano – obra prima sua – como um fértil solo; e
assim fomos feitos! E é desejo deste mesmo Criador amoroso, que saibamos
administrar a jardinagem tão necessária de nossa própria alma.
Ao longo da vida, em cada experiência
vivida, em cada etapa, mudança ou escolha existencial, vamos fazendo com que
aos poucos, o jardim de nossa alma assuma formas, e, dependendo do caminho que
tomemos e em especial dos laços que acabamos construindo (ou desfazendo) entre
as pessoas... Permitimos-nos enfim cultivar várias espécies de plantas, e
raízes. Assim protagonizamos a formação de nossa própria identidade interior.
Há quem seja repleto de flores; as
raras flores da amizade (quanto mais pétalas, maior o tempo de convivência e
intimidade). Aquelas roseiras, tulipas, margaridas e cravos cujas raízes são
profundas, e espalhadas por todo solo. Mas também permitimos o ‘nascer’ dos
chamados baobás. Estes seriam nossos
“joios”, advindos das experiências mal vividas; traumas passados; frustrações
afetivas; amargos sentimentos ressentidos... E no começo são todos iguais às
roseiras. E se não atentamos logo encontram espaço para crescerem. Um perigo!
Não nos esqueçamos ainda das ervas
daninhas... Que de nada servem, se não para ocupar importantes espaços entre as
flores. E se concordarmos com Santo Agostinho: “o mal se concentra nos
excessos”, perceberemos logo que a negligência, desatenção ou mesmo a velha
preguiça, podem servir de livre (e rápido) crescimento destas pragas danosas.
Vivemos atualmente numa sociedade
pós-moderna que realiza o caminho inverso ao proposto pelo nosso Pequeno
Príncipe – homens e mulheres (jovens ou
adultos) apáticos, centrados naquilo que prega o estético. Humanos
demasiadamente superficiais, e consequentemente alheios ao interior. O
essencial do “hoje-urgente” se tornou a roupa (o sapato, o acessório, a roupa
de griffe) que “irei me vestir”; ou a maquiagem que irá “cobrir meu rosto”. O
homem atual ostenta o externo a si mesmo, e mal sustenta o que realmente o fará
“ser” ou não. Parece termos esquecido que “o essencial é invisível aos olhos”.
É preciso jardinar a alma!
Fazer esse movimento que nos leva a
enxergar o real estado de nosso mundo interior. É necessário arrancar (digo,
“arrancar” e não retirar) de uma vez por todas, nossos baobás. E cedo! Desde a
raiz, ainda que em formação. E devemos reconhecer que a verdadeira felicidade
não consiste em cultivar meros “oba-obás”. Nosso Mestre interior, o Pequeno
Príncipe (que na realidade é pequeno apenas diante daqueles não o creem) nos
dará o arado, o instrumento necessário para tanto. Que não reste espaço para
nenhuma erva daninha se multiplicar, atrasar ou danificar o crescimento de
nossas raras flores. E por serem pequenas inúteis e de rasa raiz, façamos
questão de arrancá-las fora com as próprias mãos. Reguemos, podemos os ramos,
arbustos e rebentos de nossas reais e importantes flores. E se possível, utilizemos
de esterco as daninhas que arrancamos... Assim tudo ficará no seu devido lugar.
E não esqueçamos jamais: cuidemos
sempre de reservar lugar de honra para a mais essencial flor de nosso jardim – o
enorme e belo botão da rosa de vocação, que dentre todas é a predileta do
Pequeno Príncipe. Que esteja sempre bem assistida para enquanto que se prepara
em seu verde quarto, escolhendo as cores com cuidado, ajustando uma a uma as
pétalas; venha no dia oportuno desabrochar esplendorosamente, e nos irradiar o
mistério de nossa vocação e vida neste mundo. Sim, porque a vocação se dá em
processos.
Temos de admitir o quão doloroso pode
ser tal esforço. Porém, mesmo com certa melancolia, ou até mesmo deixando
algumas gotas de seiva pelo caminho (posto que tudo o que é arrancado
incomoda), se faz indubitável restaurar a terra que nós próprios cultivamos.
Por isso, sempre nos lembremos de que
toda mudança é processo vivido em etapas... Paulatinas e inquietantes etapas.
Mas que após constantes jardinagens – podas, arranques, reajuste de raízes –
contemplemos um jardim sadio, limpo e com espaços num solo já planado, arado e
molhado, pronto a receber novas e boas sementes.
A vida é fruto da decisão de cada
momento. Talvez seja isso, que a ideia de plantio seja tão reveladora sobre a
arte de viver. Viver é plantar. É atitude de constante semeadura, de deixar
cair na terra de nossa existência as mais diversas formas de sementes. Cada
escolha, por menor que seja, é uma forma de semente que lançamos sobre o
canteiro que somos. Um dia, tudo o que agora silenciosamente plantamos, ou
deixamos plantar em nós, será plantação que poderá ser vista de longe…
Para cada dia, o seu empenho. A
sabedoria bíblica nos confirma isso, quando nos diz que “ debaixo do céu há um
tempo para cada coisa!”.
Hoje neste tempo que é nosso, o futuro
está sendo plantado. As escolhas que procuramos, os amigos que nós cultivamos,
as leituras que se faz, os valores que se abraça, os amores que amamos, tudo
será determinante para a colheita futura.
Felicidade é isso: alegria de recolher
da terra que somos, frutos que sejam agradáveis aos olhos do Criador! Pois bem,
enxerguemos nosso próprio ser como um jardim onde cada sentido (cada área da
vida e categoria da existência) se mostre como um canteiro, cujo solo traz
consigo a marca criadora do Amor de Deus. Demos atenção ao que de fato é
essencial por excelência, e nos faz verdadeiramente únicos: Cuidemos de nosso
mundo interior, em especial nosso jardim.
O Pequeno Príncipe agradece!
Gabriel Nascimento
Vocacionado
Aspirante,
Ordem de Santo
Agostinho.