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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O JARDIM INTERIOR









“Resolveu pôr em ordem seu planeta. ‘É preciso que a gente se conforme em arrancar regularmente os baobás logo que se distinguem das roseiras’ – disse o principezinho. Naquele dia arrancou ele então, não sem um pouco de melancolia, os últimos rebentos de baobá. Ele julgava nunca mais voltar. Mas todos esses trabalhos familiares lhe pareceram naquela manhã, extremamente doces”. (O Pequeno Príncipe. A.S. Exupéry).

Em determinados momentos de nossa árdua existência, somos constantemente convidados a realizar o importante movimento vital de “pôr em ordem o planeta”; cuidar de nosso mundo interior; o que nem sempre é tarefa fácil. Para nós – hoje – o jovem e misterioso Pequeno Príncipe remete-nos à própria figura de Jesus Cristo, ainda que menino – mas pleno em sua divina Sabedoria. É este Deus que se faz homem e se revela, dentre tantas formas, como o pequeno agricultor e assim Mestre de nossas vidas – “Aquele que é mais interior que nós mesmos”, como afirmava St Agostinho. E de fato, Deus contempla o interior do ser humano – obra prima sua – como um fértil solo; e assim fomos feitos! E é desejo deste mesmo Criador amoroso, que saibamos administrar a jardinagem tão necessária de nossa própria alma.
Ao longo da vida, em cada experiência vivida, em cada etapa, mudança ou escolha existencial, vamos fazendo com que aos poucos, o jardim de nossa alma assuma formas, e, dependendo do caminho que tomemos e em especial dos laços que acabamos construindo (ou desfazendo) entre as pessoas... Permitimos-nos enfim cultivar várias espécies de plantas, e raízes. Assim protagonizamos a formação de nossa própria identidade interior.
Há quem seja repleto de flores; as raras flores da amizade (quanto mais pétalas, maior o tempo de convivência e intimidade). Aquelas roseiras, tulipas, margaridas e cravos cujas raízes são profundas, e espalhadas por todo solo. Mas também permitimos o ‘nascer’ dos chamados baobás. Estes seriam nossos “joios”, advindos das experiências mal vividas; traumas passados; frustrações afetivas; amargos sentimentos ressentidos... E no começo são todos iguais às roseiras. E se não atentamos logo encontram espaço para crescerem. Um perigo!
Não nos esqueçamos ainda das ervas daninhas... Que de nada servem, se não para ocupar importantes espaços entre as flores. E se concordarmos com Santo Agostinho: “o mal se concentra nos excessos”, perceberemos logo que a negligência, desatenção ou mesmo a velha preguiça, podem servir de livre (e rápido) crescimento destas pragas danosas.
Vivemos atualmente numa sociedade pós-moderna que realiza o caminho inverso ao proposto pelo nosso Pequeno Príncipe –  homens e mulheres (jovens ou adultos) apáticos, centrados naquilo que prega o estético. Humanos demasiadamente superficiais, e consequentemente alheios ao interior. O essencial do “hoje-urgente” se tornou a roupa (o sapato, o acessório, a roupa de griffe) que “irei me vestir”; ou a maquiagem que irá “cobrir meu rosto”. O homem atual ostenta o externo a si mesmo, e mal sustenta o que realmente o fará “ser” ou não. Parece termos esquecido que “o essencial é invisível aos olhos”.
É preciso jardinar a alma!
Fazer esse movimento que nos leva a enxergar o real estado de nosso mundo interior. É necessário arrancar (digo, “arrancar” e não retirar) de uma vez por todas, nossos baobás. E cedo! Desde a raiz, ainda que em formação. E devemos reconhecer que a verdadeira felicidade não consiste em cultivar meros “oba-obás”. Nosso Mestre interior, o Pequeno Príncipe (que na realidade é pequeno apenas diante daqueles não o creem) nos dará o arado, o instrumento necessário para tanto. Que não reste espaço para nenhuma erva daninha se multiplicar, atrasar ou danificar o crescimento de nossas raras flores. E por serem pequenas inúteis e de rasa raiz, façamos questão de arrancá-las fora com as próprias mãos. Reguemos, podemos os ramos, arbustos e rebentos de nossas reais e importantes flores. E se possível, utilizemos de esterco as daninhas que arrancamos... Assim tudo ficará no seu devido lugar.
E não esqueçamos jamais: cuidemos sempre de reservar lugar de honra para a mais essencial flor de nosso jardim – o enorme e belo botão da rosa de vocação, que dentre todas é a predileta do Pequeno Príncipe. Que esteja sempre bem assistida para enquanto que se prepara em seu verde quarto, escolhendo as cores com cuidado, ajustando uma a uma as pétalas; venha no dia oportuno desabrochar esplendorosamente, e nos irradiar o mistério de nossa vocação e vida neste mundo. Sim, porque a vocação se dá em processos.
Temos de admitir o quão doloroso pode ser tal esforço. Porém, mesmo com certa melancolia, ou até mesmo deixando algumas gotas de seiva pelo caminho (posto que tudo o que é arrancado incomoda), se faz indubitável restaurar a terra que nós próprios cultivamos.
Por isso, sempre nos lembremos de que toda mudança é processo vivido em etapas... Paulatinas e inquietantes etapas. Mas que após constantes jardinagens – podas, arranques, reajuste de raízes – contemplemos um jardim sadio, limpo e com espaços num solo já planado, arado e molhado, pronto a receber novas e boas sementes.
A vida é fruto da decisão de cada momento. Talvez seja isso, que a ideia de plantio seja tão reveladora sobre a arte de viver. Viver é plantar. É atitude de constante semeadura, de deixar cair na terra de nossa existência as mais diversas formas de sementes. Cada escolha, por menor que seja, é uma forma de semente que lançamos sobre o canteiro que somos. Um dia, tudo o que agora silenciosamente plantamos, ou deixamos plantar em nós, será plantação que poderá ser vista de longe…
Para cada dia, o seu empenho. A sabedoria bíblica nos confirma isso, quando nos diz que “ debaixo do céu há um tempo para cada coisa!”.
Hoje neste tempo que é nosso, o futuro está sendo plantado. As escolhas que procuramos, os amigos que nós cultivamos, as leituras que se faz, os valores que se abraça, os amores que amamos, tudo será determinante para a colheita futura.
Felicidade é isso: alegria de recolher da terra que somos, frutos que sejam agradáveis aos olhos do Criador! Pois bem, enxerguemos nosso próprio ser como um jardim onde cada sentido (cada área da vida e categoria da existência) se mostre como um canteiro, cujo solo traz consigo a marca criadora do Amor de Deus. Demos atenção ao que de fato é essencial por excelência, e nos faz verdadeiramente únicos: Cuidemos de nosso mundo interior, em especial nosso jardim.

O Pequeno Príncipe agradece!




Gabriel Nascimento 
Vocacionado Aspirante,
Ordem de Santo Agostinho.






















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